DIAGNÓSTICO
Hoje é dia da minha tradicional crônica de aniversário de São Paulo. Mas estou afogada, não em lágrimas, porque sou privilegiada, mas em sentimentos conflitantes. Estou afogada e não sei muito bem como encontrar um respiro. Não vejo mais minha cidade, vejo destroços, buracos onde antes havia uma árvore, obras descuidadas, sujas, invadindo as calçadas, as ruas e o direito de ir e vir. Vejo chãos impermeáveis que não acolhem as águas e nem os passos humanos. Vejo escadarias sujas e lixos acoplados nos postes vomitando seus excessos. Vejo pessoas virando pássaros das profundezas, se empoleirando em corrimões diante do rio voraz que corre no subsolo. Ou, na superfície, revirando lixos em uma pescaria igualmente grotesca. Pessoas afogadas em medos e dúvidas. O que será do amanhã? Um homem morreu em sua própria casa quando a conta da água chegou. A conta da água represada chegou. Os rios enterrados mostraram as suas margens, ampliadas pelos anos de opressão. Ai, minha cidade, eu quero tanto falar de você, de tudo que tem valor. Gente, cultura, multiplicidade. Mas antes preciso falar de memória, de integridade, de cuidado. Senão o que será de sua gente, sua cultura e multiplicidade? A arquitetura de uma cidade é sua coluna vertebral, os espaços públicos são os órgãos, cada um dando a sua contribuição, o sangue é o fluxo das pessoas, circulando, bombeando intensidade. Mas a paciente está hospitalizada. Afogamento, fraturas expostas, cortes, infecção. O que mais desejo para esse aniversário de 471 anos é que a paciente saia da UTI, tenha alta. Não alta de mais prédios, nem dos investimentos em fundos, nem das regalias dos que estão no poder. Uma alta de verdade. Quero minha cidade voltando para casa.
Adriana Calabró
1/25/20251 min read
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